Venda casada de computadores com Software Proprietário

Segue abaixo  o relato de Wanusa Wesseling sobre como reivindicar o seu direito de não pagar um sistema operacional proprietário ao comprar um computador.

Logo no comecinho de maio vi um comentário meio ressentido do Maudy (editor-chefe do Ubuntu Dicas) quanto ao fato de não encontrarmos computadores de qualidade com software livre, mencionando expressamente uma conhecida empresa…

Nesse momento foi como voltar no tempo e lembrar a minha própria frustração, mas antes de contar toda a história.

Bom, começando pelo começo, sou Wanusa, usuária de Ubuntu há quatro anos, moro em Foz do Iguaçu/PR, se você não conhece é a cidade das Cataratas do Iguaçu, da Itaipu Binacional, e… a fronteira com o Paraguai, ou seja, local de compra de equipamentos eletrônicos a preços muito mais em conta; então meu primeiro notebook, um HP, foi adquirido no exterior, e já veio com Windows Vista, assim sem choro, nunca tinha ouvido falar em Ubuntu na época, então não me doeu.

Voltando a minha frustração, esse meu HP durou mais ou menos quatro anos, mas por um probleminha de superaquecimento comecei a perceber falhas já no terceiro ano. Nessa época eu já usava o Ubuntu como sistema padrão, então comecei a procurar notebooks com uma configuração razoável, bom preço e software livre, com certeza vocês já tiveram essa experiência também e devem ter se frustrado assim como eu.

Enfim, um dos sites em que busquei foi de uma empresa conhecida, após cadastro, tentativa de compra no site da mesma empresa dos Estados Unidos (no site estrangeiro tinham mais opções com software livre), diversas conversas intermináveis com vendedores me dizendo que era IMPOSSÍVEL me vender um notebook sem o software pago, desisti.

Mas em abril do ano passado meu HP começou a pifar de vez, e só aguentou até o começo de maio, tempo suficiente para chegar um cupom de desconto da mesma empresa pelo meu aniversário, eram só R$ 100,00, mas quando se tem que comprar mesmo qualquer desconto é bem vindo.

Então, comecei a busca o computador perfeito com Ubuntu, e claro, ao selecionar como critério de busca o Ubuntu, apenas apareciam computadores com configuração muito inferior ao meu notebook de 2008 ou com preços mais caros do que poderia sonhar em comprar, ou seja, inúteis para mim (mera estagiária). Mais uma vez parti para o choro nos chats com vendedores famintos por vendas, que insistiam em dizer que o computador não funcionariam sem Windows e por isso era vendido junto.

Desesperada, no quarto ano da faculdade de direito, com trabalhos, artigos (e viciada em internet), comprei um modelo de 14”, com uma configuração e preço que atendiam minhas necessidades (Intel i3, 6gb de memória e 500gb de HD), no momento de fechar a compra formalmente pedi a retirada do software pago, salvei a conversa.

A cada etapa da compra, enviava um e-mail solicitando o estorno dos valores, o que, claro, não foi atendido, depois de recebido o note, mais uma tentativa, inútil, então, entrei com um processo no Juizado Especial Cível.

Aqui acaba o lenga lenga, e começa a parte divertida da história, como disse no começo, sou estudante de direito, não tive aulas específicas de Direito do Consumidor, mas não preciso ser um gênio para saber dos nossos direitos mais básicos (nesse ponto, recomendo a leitura suuuuper divertida pelo menos da Constituição Federal, do Código Penal e do Código de Defesa do Consumidor, armas básicas de um cidadão bem instruído).

Novamente, começando pelo começo, o direito do consumidor que me refiro é a proibição da venda casada, ou seja, nenhuma empresa pode condicionar a sua compra de um produto A, por exemplo um notebook, à venda de um produto B, exemplificando, um software como o Windows.

O nosso direito como consumidor é a parte mais fácil de entender, e exatamente por isso é o absurdo maior.

 A parte complicada é o procedimento.

Os Juizados Especiais servem para resolver causas/processos/fatos de menor complexidade, por exemplo, crimes de menor potencial ofensivo ou causas cíveis com valores a baixo de 40 salários mínimos, essa é uma exemplificação beeeem didática, existem outras regras estabelecidas na Lei nº 9.099/95.

Ok, agora vocês já sabem o direito e já sabem pra que servem os juizados, hora de começar a encaixar nosso problema com a venda de computadores sem Ubuntu.

Então, o juizado especial atende causas cíveis de até 40 salários mínimos, ou seja, nas quais o valor da causa não ultrapasse esse valor, mas justamente por serem causas de menor complexidade a Lei permite que em causas com valor de até 20 salários mínimos a pessoa atue sem a necessidade de estar acompanhado de advogado.

Ou seja, você vai até o fórum de sua comarca, vai ao juizado cível ou ao setor de triagem (quando há mais de um juizado é feita uma distribuição entre eles), conta sua história para um servidor (ou estagiário), ele escreve seu problema, você dá o endereço e qualificação de quem causou seu problema (na nota fiscal tem) e pronto, está iniciado um processo.

A petição mesmo, feita por advogado, tem toda uma formalidade a ser seguida, mas como o juizado abre mão dessa formalidade apenas a presença da história (fatos) é suficiente.

Assim que você conta os fatos e qualifica (diz quem é e dá o endereço) do réu, você já é intimado para uma audiência de conciliação, e será expedida uma intimação para a parte ré.

Na audiência de conciliação, o autor (você) e o réu podem fazer um acordo, sem envolver o judiciário, e resolver o problema; se não for possível o acordo, segue o processo.

Se a matéria for só de direito (se você tem aquele direito ou não), o processo já vai para o juiz sentenciar, dizer quem tem razão e pronto. Se a matéria for de fato e de direito (se aquilo aconteceu mesmo do jeito que você disse e se você tem direito ou não) o processo segue para instrução (audiência de produção de provas) e depois julgamento.

Uma dica importante, peçam audiencia de instrução e levem o notebook, para mostrar ao Juiz Leigo que o computador ao iniciar exige a instalação do Windows (se possível não instalem) e levem uma pen bootável, assim vocês provam que o note funciona com Ubuntu ;)

Essa foi uma passada super-rápida pelo procedimento do juizado especial.

Agora que vocês já entendem o básico do funcionamento dos Juizados Especiais, é só exercerem o direito de vocês, buscar perante o Judiciário o direito de comprarem um computador sem serem obrigados a adquirir o sistema operacional que não querem.

Claro que, primeiramente, vocês devem se certificar de que não existe mesmo outra forma de adquirir aquele computador sem o Windows, depois é só aproveitarem o que a internet pode proporcionar a vocês, para poderem ter um computador sem ter que comprar o Windows junto.

Ahh, só pra lembrar, mesmo com a devolução em dobro, o valor do Windows e outros softwares são “baixos”, uns R$ 200,00 no máximo, mas não se esqueçam de que vocês podem ter sofrido um dano moral com isso, e também se pode pleitear uma condenação por isso.

Eu entrei com um processo em junho do ano passado, no início desse ano já foi proferido sentença, e já está em fase de execução, ou seja, dentro de pouco tempo receberei a condenação.

Espero que essa historinha sirva para inspirar vocês a buscarem o direito de podermos comprar computadores com softwares livres, quem sabe assim as empresas começem a oferecer produtos livres para o mercado.

Att. e grata pelo espaço;

Wanusa

20 comentários em “Venda casada de computadores com Software Proprietário”

  1. Felipe ten Caten

    Legal o texto! Realmente isso é um abuso das empresas e não podemos simplesmente pagar e aceitar. Obrigado! Só queria fazer uma ressalva… “mas não se esqueçam de que vocês podem ter sofrido um dano moral com isso” ahuhauhuahuahuuhhaua essa foi foda! tipo… “cara, se você não sofreu um dano moral, incluí ai de qualquer forma, você deve estar esquecendo que sofreu um dano moral” hhaha. Mas foi um bom texto de qualquer forma. Valeu!

    1. Entendo seu ponto de vista, mas não foi o que eu quis dizer. Explico, o dano moral ocorre de muitas formas, o estresse que vc vai passar ligando toda vez pro 0800 pra ouvir que vc não tem direito de escolher um software livre (eu mesma cheguei a ficar quase uma hora no telefone), passei 8 meses sem poder manter meus arquivos no note, sem poder instalar nenhum programa pq não podia alterar as configurações originais do notebook, durante esses oito meses dava boot pelo pendrive para poder utilizá-lo, então no mínimo um transtorno eu tive. Claro que se você entender que não ” sofreu” (os tribunais já entendem que não é necessário um sofrimento propriamente dito) algum dano ou transtorno, não deve pedir mesmo.

  2. Ainda fico no muro, por que as pessoas que não entende muito vão sofre com isso, o preço do Windows em um CD já é caro e tenho certeza que vai ter técnicos se aproveitando disso ( comprando preço absurdos ), acho que o consumidor deveria escolher seu sistema operacional pelo site, ou na loja algum produto com o software que você deseja, mas mesmo assim não resolve, acho que deveria ir a loja e escolher seu hardware, depois o seu o seu software, onde seu produto sair ser encaminhado para a assistencial da loja e mais tarde você pega o produto e no caso de Windows a chave deveria ficar com o dono para ele mesmo validar o produto.

  3. Olá. Eu comprei 6 notebooks com Windows 7 Starter. Eles serão usados com Ubuntu. Mas, de acordo com nossa amiga Wanusa onde ela diz “o computador ao iniciar exige a instalação do Windows (se possível não instalem)”, terei de ficar com os notes parados até o término do processo na justiça?

    1. Difícil, não sei onde que eu vi, mas alguém gravou recusando os termos da licença Windows na hora que liga o Notebook, e depois pediu seu dinheiro de volta e usou o vídeo como prova deve ta no YouTube, lembro que era um note com HP.

    2. Então, eu usei oito meses meu note dando boot pelo pendrive, mais do que ninguém sei como isso é chato, vc não pode configurar nada, etc… mas deu para usar… A questão de não instalar é algo que eu (uma pessoa qualquer) acho melhor, não que seja indispensável…

  4. Parabéns, Wanusa! Que a sua história sirva de exemplo e inspiração pra que as pessoas busquem seus direitos, principalmente os de consumidores. Temos que acabar com esta história de que brasileiro é um povo conformado.

  5. Eu achei a atitude da Wanusa extremamente louvável. Vai ser uma grande advogada!
    Fica aqui a sugestão de ela se especializar NESSE direito específico e ajudar as pessoas a resolver essas questões.
    “Só isso” vai dar trabalho pro resto da vida. :P

    Se TODOS os consumidores ou a MAIORIA fizesse isso que a Wanusa fez a coisa toda mudaria de figura mas o problema é que 99,99% dos mortais não entendem “chongas” de instalação de Sistem Operacional.
    Além disso, todo o procedimento jurídico descrito acima é um pé no saco e ninguém gosta de perder esse tipo de tempo. Todo mundo quer comprar o raio do note e sair dirigindo, como acontece com um automóvel, tipo plug’n’play.
    No máximo vai pagar toda a compra e depois vai chegar em casa, arrancar a bo$t@ do Window$ $tarter, instalar um Ultimate piratão e dormir em paz se sentindo no lucro e premiado com “100 anos de perdão”.

    Devemos considerar também que menos de 2% (dois por cento) dos usuários de computador usam Linux. É aí que os espertalhões do software proprietário mergulham a mão no bol$o dos incauto$ mas não é por causa disso que vamos esquecer dos nossos direitos de consumidor e ao fim e ao cabo a venda casada é VIOLAÇÃO desse direito.

    O problema não é tão complexo e na minha opinião tem uma solução muito simples para tudo: FAZER BARULHO!

    1. Formar uma comunidade online com total visibilidade pública, juntando usuários e desenvolvedores de Linux ou outro software livre e gratuito;
    2. Construir petições online e angariar o maior número possível de assinaturas;
    3. Enviar essas petições para as autoridades competentes e do direito do consumidor;
    4. Enviar cópias dessas petições para as empresas de hardware (que constroem os computadores) e EXIGIR uma cota de aparelhos sem qualquer Sistema Operacional pré-instalado. A escolha TEM QUE SER SEMPRE do consumidor;
    5. Divulgar tudo na forma mais ampla possível na Internet, BOTANDO A BOCA NO TROMBONE;
    6. Divulgar uma lista sempre atualizada das empresas de hardware que se recusarem a retirar o O.S dos seus aparelhos. Nenhuma empresa dessa área vai querer ver sua marca DESVALORIZADA ou DEBOCHADA porque ficou de quatro, por exemplo, para o poder econômico de uma Microsoft ou Apple da vida.

    E se o nosso amado UBUNTU DICAS se associar a outros parceiros online e começar o BUZINAÇO ontem? Quem sabe… ?

    Para tudo tem sempre uma solução.
    Só não dá para se fazer tudo sozinho. Casos pontuais se perdem no vazio. Não geram resultados.
    A UNIÃO é que vai fazer a diferença. A UNIÃO é que vai fazer a força. A UNIÃO é que vai fazer a MUDANÇA.

    Boa sorte para todos nós e Viva a advogada Wanusa!!!

  6. Bom dia Srs.

    O procedimento descrito pela colega realmente é valido para fins de reivindicação de direitos, mas sinceramente é bem desgastante e em alguns casos leva um bom tempo pra resolver.

    Uma outra forma de conseguir adquirir um equipamento sem ter que pagar a licença do windows (que é o motivo da reclamação da colega e de muitas pessoas) é você seguir o seguinte processo:

    adquira o computador normalmente, escolha o modelo , marca , configuração e tudo o mais, se possível compre direto pelo fabricante (Dell, HP ,etc).
    Após efetuada a compra aguarde até que tenha o equipamento s, e assim que iniciar “NÃO ACEITE A EULA” (que é um contrato iniciado no primeiro Boot da maquina). caso você aceite e concorde com os termos deste contrato você automaticamente perde o direito de devolver o S.O (lembrando que assim que houver uma conexão da maquina com a internet será enviado a informação de aceite do sistema e aquela licença será ativada). entre em contato com o atendimento ao cliente e solicite a devolução do sistema em até 7 dias após ter recebido o computador.

    atualmente tenho um Dell vostro 3550. Quando fui comprar meu notebook o único modelo com ubuntu disponível era um Dell inspiron com core I3 e 4 Gb de RAM que por sinal estava bem caro para a configuração. Como eu queria uma maquina melhor escolhi o Vostro que vinha com I5 Gb de RAM, HD de 500GB e WINDOWS HOME PREMIUM EMBARCADO. Aceitei normalmente e assim que a maquina chegou pra min entrei em contato com a Dell informando que queria devolver o S.O. fui questionado se havia aceitado o termo do contrato que aparece logo no primeiro boot e informei que não tinha nem ligado o PC ainda. A atendente foi bastante prestativa comigo e iniciou o processo de estorno do S.O. Foi um processo um pouco demorado (mais ou menos 35 dias) pois foi necessário vir um funcionário da transportadora na minha casa pegar a licença do windows ( aquele selo com serial que fica no fundo do notebook) e levar de volta. fora isso o processo foi bem tranquilo, alias foi melhor do que eu esperava pois durante as conversas com a atendente havia informado que não tinha necessidade dos aplicativos que vieram nele e ela acabou pedindo o estorno de tudo, Alem do S.O, devolvi a licença do antivírus ( trend micro) que eu não considero bom e de alguns programas embarcados como gravadora de disco , e player de vídeo. Formatei minha maquina e instalei o sistema operacional desejado. ( tenho uma licença do windows 7 Professional que veio da minha outra maquina e fiz um dual Boot com linux educacional que uso pra dar cursos e ubuntu ).

    Deixo claro que alguns recursos da maquina ficam inacessíveis no linux por não ter drivers nativos para ele. No caso da minha maquina o leitor biométrico só funciona no windows e o acelerômetro do HD ( dispositivo que trava o HD em caso de quedas) também não funcionou.

    Lembrando também que o valor do S.O que vai para o fabricante não é o mesmo que nós compramos nas lojas, ele é bem mais barato ( a minha licença do win7 veio na nota fiscal com o valor de 130 reais, sendo que o valor na loja é quase 300). Não recomendo fazer esse procedimento com determinadas marcas ( Positivo, Leadership,STI entre outras) pois já tive contato com o suporte dessas empresas e considero muito ruim. em alguns casos eles até deixam de te dar suporte caso você mude o sistema operacional.

    Pra finalizar estou muito satisfeito com meu linux (embora ainda mantenha o windows na maquina para fins de trabalho).

    Att. Ednardo Alves.

    1. Nossa, com certeza se esse procedimento tivesse sido me disponibilizado eu o preferiria…. Infelizmente, em todos meus contatos com a empresa em nenhum momento me foi ofertado algo do gênero, sempre os atendentes me respondiam que não era possível o procedimento, quase me tratando como um ET por não querer usar o Windows….

  7. Parabéns! A luta é esta mesmo, não nos conformarmos com essas práticas abusivas! Não é nem pelo valor financeiro mas sim pelo abuso de nos privar de nossas escolhas!

  8. Oi oi!
    Adquiri notebook com a Dell, o mesmo chegou faz 2 dias. Veio com Windows 8 pre-instalado e junto dele uns softwares de segurança. Os mesmos inclusos na nota fiscal com um valor total de 230$.
    Não tenho interesse algum de uso desses softwares. Posso solicitar o embolso desses valores nessa ocasião!?

    1. Pode claro, mas ai começa um drama… Foi exatamente o que tentei fazer, mas não quiseram fazer o estorno apenas desse valor, por isso a necessidade da ação judicial.
      Te desejo sorte ;)

  9. outro problema tbm, é o caso de pessoas que querem o Windows mas não aquela versão que vem com o note, por exemplo, eu comprei meu note com o Windows 7 Home Edition, porém, tenho uma licença do Professional, ai como fica a licença do ome que não usarei?, ou se eu preferir usar minha licença do Windows 7 Professional no lugar de comprar uma do Windows 8? no meu pc eu uso dual boot de fedora com Windows 7 Professional, mas a minha licença do Home Edition não me serviu de nada

  10. Após a compra e/ou instalação do Windows, se o usuário perceber que foi lesado com a venda casada poderá fazer valer este direito mesmo após aceitação da EULA e da ativação do Windows.

    É o conceito de contrato de adesão, onde não houve o devido atendimento do direito à informação do consumidor.

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